terça-feira, 8 de novembro de 2016

Angel's Egg

Quando descobri os filmes do Studio Ghibli, percebi que nem todos os animes eram lixo como eu pensava, já que achava que todos eram só porradaria, putaria, romances sem alma e outros artifícios clichês e desinteressantes para mim. Então comecei a pesquisar mais animações japonesas e passei por obras de diretores famosos como Satoshi Kon, Maroto Shinkai e Mamoru Hosoda (o qual já escrevi a respeito de uma obra sua aqui).

Mas tem um nome em particular que sempre encontrava em listas de grandes diretores de anime do qual nunca havia assistido um filme seu: Mamoru Oshii. Seu trabalho mais conhecido é, sem sombra de dúvidas, Ghost in the Shell, uma obra cyberpunk dita ser uma das maiores inspirações para o clássico sci-fi dos anos 90 The Matrix e que consta em quase todas as listas dos melhores filmes de anime de todos os tempos. Contudo, essa não foi a primeira obra que decidi assistir do diretor e devo dizer que este não teve muita influência em minha escolha.



Angel's Egg (jap: Tenshi no Tamago / br: O Ovo do Anjo) é uma animação de 1985 feita em parceria entre Mamoru Oshii, diretor, e Yoshitaka Amano, character designer e diretor de arte. Este segundo sujeito foi quem me atraiu à essa obra. Eu conhecia o trabalho de Amano através de suas ilustrações fantasiosas e surrealistas para a série de video-games Final Fantasy. Apesar de ter estranhado muito seus desenhos no início, logo passei a apreciá-los por seu estilo inconvencional e místico. Saber que existia uma animação com seu trabalho de arte foi o que me fez assistir Angel’s Egg, por mais que os desenhos desta produção não sejam tão abstratos como a maior parte das obras do artista.


HISTÓRIA SÍMBOLOS E METÁFORAS

Angel’s Egg é uma obra puramente interpretativa. Na superfície, o enredo consiste em uma garotinha que vaga sem rumo em um mundo pós-apocalíptico desolado e desprovido de vida cuja única preocupação é proteger um misterioso ovo que carrega consigo onde quer que vá. Ela é acompanhada por um soldado, também sem rumo na vida, cujo único propósito é entender o porquê da obsessão da garota para com o ovo e o que está confinado dentro deste. Estes dois são os únicos seres humanos do filme, os quais têm apenas aproximadamente 10 minutos de diálogo ao longo dos 71 minutos que compõem a obra.


Com um diálogo tão escasso assim, fica difícil de ter alguma exposição sobre qual o papel destes personagens, quais suas intenções e quem são eles. O fato é que isso é proposital. Essa abordagem de Oshii e Amano foi feita com o intuito de que cada um tirasse suas próprias conclusões acerca de todo o simbolismo da obra, pois absolutamente tudo encontrado aqui são símbolos, metáforas e alegorias. O próprio diretor alega não saber sobre o que o filme se trata, o que claramente é uma mentira, mas ele diz isso para que ninguém tome a palavra dele como definitiva a respeito do que é mostrado em Angel’s Egg, pois isso tiraria todo o misticismo por trás da obra.

Eu vou optar por seguir o caminho do diretor e não falar a respeito de toda a simbologia da obra, até porque devo admitir que não sou muito bom com filmes interpretativos, especialmente nesse em que TUDO é aberto para você tirar suas conclusões. Claro que tenho minhas teorias sobre certos elementos como os personagens e o ovo, mas há muito mais do que isso para ser analisado em Angel's Egg. Que nem diz o velho ditado, o ovo é “dos males o menor”. De todas as teorias que li, não encontrei uma que abordasse absolutamente todas as metáforas da produção. Tem certos indivíduos que expõem seu ponto de vista de maneira presunçosa, como se fosse o definitivo, fazendo ligações entre diversos dos elementos, mas esquecendo de alguns cruciais, o que invalida completamente a “definitividade” de seu argumento.

O fato é que não existe uma visão singular e definitiva sobre Angel’s Egg. O filme foi feito para cada um enxergá-lo da maneira que seu cérebro permitir raciocinar. Se a sua visão é a de que a produção é uma crítica à religião, com a garotinha sendo uma representação de uma fiel cega que protege aquilo que admira sem se questionar, e o soldado representando um cético que tenta abrir os olhos da garota para a (sua) realidade, é uma visão válida. Se você pensa que o diretor é um maconheiro sem noção e que nada nessa joça faz sentido, também é válido. Essa ambiguidade é uma coisa que me faz admirar muito essa obra, mas não tanto quanto o tópico a seguir.


ARTE

Como se a "história" totalmente ambígua e aberta a interpretações já não fosse o suficiente para definir o misticismo de Angel’s Egg, seu elemento mais impactante é indubitavelmente a arte. Como havia mencionado anteriormente, a cabeça - ou melhor, a mão - por trás da arte dessa produção é o Yoshitaka Amano. Geralmente a palavra encanto é associada a paisagens deslumbrantes, vibrantes e cheias de vida……o que está longe de ser encontrado aqui. O meu encanto pela arte dessa obra se deu pelos cenários umbrosos, decadentes e desprovidos de vida. A atmosfera dark que a arte surrealista de Amano transmite é sem igual, você se sente desolado só de assistir a menininha vagando por essas paisagens destruídas e abandonadas. Isso tudo aliado de um trabalho de direção de arte magistral, efetuado pelo dito-cujo.





E por falar em menininha, tá ai outra coisa magnífica da arte desse filme - o design dos personagens. Esses têm Amano estampado em seus rostos, parece que saíram direto de uma concept art de Final Fantasy. A garotinha é pálida como a neve, veste um vestido maior que ela e tem cabelos brancos que poderiam consumi-la por completo de tão longos que são. A expressão ingênua de seu rosto talvez seja sua característica mais marcante, especialmente quando está protegendo seu precioso ovo do soldado que a persegue. Este, por sua vez, dota uma expressão ainda mais marcante, devido à sua feição desprovida de qualquer emoção. Ele fita a garota e tudo ao seu redor com o olhar de alguém sem propósito na vida, sem sentimentos.

Um olhar de ingenuidade.
Um olhar sem vida.

Mas não é só de desenhos que se compõe a arte do filme, afinal, o que seria destes sem uma direção? Apesar deste ser o primeiro trabalho que assisti de Oshii, já deu pra perceber como é um diretor versado. Tem certas sequências em que as linhas e os traços da garota convergem com um elemento marcante de uma cena, como se ela fizesse parte daquilo que está interagindo. Exemplos disso incluem uma cena em que fica imersa em um lago e seus cabelos se tornam ondulados como se fossem água; uma cena em que ela foge em meio as sombras de um beco e a perspectiva do plano faz parecer que seu cabelo e vestido estão sendo puxados pelas sombras; uma cena em que o vento soprando em direção oposta à garota a transforma em parte do vento; entre outras. Os exemplos que mencionei estão logo abaixo.




Mesmo sendo algo extremamente não-convencional em animações, o diretor não se acanhou na hora de fazer uso de planos de duração extensa para ambientar o telespectador à atmosfera lúgubre de sua obra. Sério, tem um plano do filme em que a garota está deitada na cama e o soldado sentado no chão observando uma fogueira que dura dois minutos e meio! E estou falando de um único plano, sem corte algum! E o plano final é sem sombra de dúvidas o pan out mais demorado da história da animação.

Esse plano é tão extenso que a fogueira até se apaga depois de um tempo.

A trilha sonora da produção também é de suma importância na imersão de quem está assistindo, já que é tão bizarra quanto qualquer outro elemento dela. As peças musicais da obra são orquestras repletas de piano, instrumentos de corda e coros. Algumas composições são bonitas e místicas, mas a maior parte delas são esquisitas e assombrosas, até mesmo desconcertantes, mas tudo isso em um bom sentido, porque te ambienta perfeitamente na atmosfera em que se encontram aqueles personagens. Tem uma música completamente executada no piano que é a minha favorita, pois começa harmoniosa e tranquila e, repentinamente, se torna tenebrosa. Mas tome cuidado ao escutá-la hein: a primeira vez que a ouvi senti algo estranho, como se a música fosse um sinal de má sorte, e coisas ruins realmente aconteceram comigo no dia que pensei isso! Depois a passei para um amigo meu, alertando-o sobre isso de má sorte, e coisas ruins aconteceram com ele! Então estejam avisados, hein!


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao meu ver, Angel’s Egg não pode ser classificado como um filme - é uma experiência visual. Você é quem decide como quer interpretar o que é mostrado nessa obra. Alguns ficam fascinados pela ambiguidade de seu enredo, enquanto outros ficam pela beleza de sua arte surrealista e obscura. Eu fui mais pelo segundo aspecto, mas para quem gosta de pensar um pouco - BASTANTE, nesse caso - a respeito do que acabou de assistir, essa colaboração entre as mentes enigmáticas de Mamoru Oshii e Yoshitaka Amano é um prato cheio.



                                       

-por Vinicius "vini64" Pires

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