quinta-feira, 8 de março de 2018

Naoko Yamada, diretora, 33 anos

Hoje, 8 de março de 2018, é o Dia Internacional da Mulher. Geralmente neste dia eu compartilho alguma imagem relacionada ao Hayao Miyazaki e às personagens de seus filmes. Estes retratam mulher fortes e independentes, capazes de tomar suas próprias decisões e nunca mostradas como sinônimo de fragilidade, assim como acontece em muitas animações japonesas e ocidentais. Entretanto, esse ano decidi fazer algo diferente, uma breve homenagem a uma das mulheres mais importantes na indústria dos animes.


Estou falando da Naoko Yamada, diretora do estúdio Kyoto Animation, sobre o qual venho falando aqui no blog desde outubro do ano passado. Minha intenção não é escrever um texto longo sobre toda a trajetória dela como artista, caso contrário teríamos mais de 20 páginas de conteúdo. Não, a minha ideia com esse texto é apreciar o trabalho dessa mulher que em tão pouco tempo se tornou uma figura especial para mim.


Não é por acaso que ela se tornou um dos maiores nomes da indústria. Yamada, hoje com apenas 33 anos de idade, foi a responsável por dirigir trabalhos renomados e premiados como K-ON!, Tamako Love Story, Hibike! Euphonium (junto de Tatsuya Ishihara) e, recentemente, o filme Koe no Katachi. Seu estilo de direção sensível e humano com atenção minuciosa a detalhes se tornou influente e inspirador para inúmeras pessoas, eu incluso.


Sua rápida ascensão também é algo inédito na indústria. Ela dirigiu seu primeiro trabalho com apenas 24 anos. Isso mesmo, vinte e quatro. Se formos comparar com outros nomes grandes, o Miyazaki fez seu primeiro trabalho diretorial com 38 anos, Satoshi Kon com 34, Isao Takahata com 33, Makoto Shinkai com 31 e Hideaki Anno com 28, então o caso da Yamada é de se admirar. Além do mais, seu primeiro trabalho não foi um curta ou algo do tipo, mas sim uma série de 13 episódios. E não foi qualquer série! Sua estreia como diretora foi com um dos animes mais populares dos últimos tempos – K-ON!.


Quando soube que o seu estúdio produziria uma adaptação do mangá Koe no Katachi, ela logo se prontificou a dirigir (fonte). Por quê? Porque é uma obra humana e sentimental, e se tem algo que a Yamada sabe fazer é humanizar seus personagens. Em um trabalho como esse, que trata de temas fortes como arrependimento e ansiedade, é crucial que seja criado um vínculo entre os personagens e o telespectador para que o conteúdo seja absorvido devidamente.

Junto do trabalho esplendoroso de animação da KyoAni que exalta a expressividade dos personagens, especialmente no que se refere aos seus rostos, os enquadramentos da Yamada nos fazem sentir na pele o que eles estão sentindo, seja por meio de close-ups no rosto ou nos olhos, de takes focados em pequenos trejeitos como uma inquietação na mão ou na perna, ou até por meio de algumas abordagens não tão convencionais, como em planos silenciosos com foco na nuca ou na coxa de um personagem.

Koe no Katachi

Tamako Market, ep. 3

K-ON!!, ep. 24

O senso estético apurado da diretora não se aplica somente aos personagens, mas também ao ambiente em que estão inseridos. Em muitas animações, os cenários funcionam só como desenhos para você saber onde os personagens estão, enquanto nos trabalhos da Yamada eles são tão vivos quanto as pessoas, pois ela sabe como explorá-los. Diversos planos mostram o lugar de vários ângulos e exploram tudo que há ao seu redor. Os personagens interagem com elementos do cenário e andam por ele em todas as direções possíveis.

K-ON!!, ep. 19

Hibike! Euphonium, ep. 12

A cena a seguir é um exemplo perfeito de tudo que mencionei nos parágrafos anteriores, junto do uso fascinante de iluminação que é feito para te ambientar ainda mais no momento que está sendo mostrado. Citando minha descrição para essa cena da minha análise de K-ON:

"Os planos que mostram o colégio vazio, mesas sem ninguém, um guarda-chuva encostado na parede, uma garota preparando seu equipamento musical e a caminhada em direção à escola, nos ambientam, de forma sensível, nessa manhã agradável – reforçada pela leve iluminação de início de dia – que vem a ser o primeiro dia de aula das garotas em seu último ano. Mas o show fica por conta da performance improvisada da Yui, com enquadramentos que exploram sua expressão corporal e transmitem com excelência o estado emocional da personagem".



Eu não queria entrar no mérito de compará-la com outros diretores, mas ao ler meus elogios vocês podem pensar que eu prezo o visual acima de tudo. Se isso fosse verdade, eu consideraria o Makoto Shinkai o melhor diretor do mundo, o que está longe de ser o caso. Ao dar sua opinião sobre Koe no Katachi, ele chamou a obra de uma "produção polida e grandiosa" que nem ele seria capaz de replicar e eu também acho o mesmo. Ao meu ver, a direção do Shinkai não tem a sensibilidade artística da Yamada e grande parte de seus roteiros não constroem personagens de uma maneira que possamos nos relacionar e enxergá-los como pessoas reais, algo que está presente em todos os trabalhos da diretora da KyoAni.

Koe no Katachi

Mas você deve estar pensando: "a Yamada não é roteirista, então não faz sentido essa comparação". Aí que está a grande diferença entre ela e o Shinkai, e até mesmo entre Hayao Miyazaki e Isao Takahata, meus dois diretores favoritos – a Yamada consegue nos "aproximar" dos personagens somente por meio do seu trabalho de direção. Os enquadramentos que usa, o foco na linguagem corporal, os detalhes em pequenos movimentos, a decisão de deixar com que certos planos sejam longos para melhor contemplação, o uso formidável de iluminação para ambientar uma cena... Tudo isso faz com que os personagens e as situações que passam se tornem íntimos para nós, como se estivéssemos ao lado deles.

Tamako Love Story

K-ON! é um exemplo primordial de uma obra que foi elevada a outro nível graças ao trabalho da diretora. O mangá original é apenas um trabalho divertidinho de comédia e a adaptação em anime não precisava ser nada além disso, mas a roteirista (Reiko Yoshida) transformou as personagens em pessoas carismáticas e com camadas de personalidades, e a diretora fez questão de dar vida a essas personagens e ao ambiente em que vivem a fim de que ficássemos com a impressão de estarmos assistindo à vida real de pessoas queridas. Seus enquadramentos capturam a essência do que é ser jovem.


Tamako Love Story é outra obra que poderia ser algo ordinário não fosse a visão da Yamada. O filme mostra uma história de amor simples e até mesmo banal, sem nada de especial, mas a diretora soube trabalhar essa simplicidade e transformá-la em algo especial e lindo de se ver. A delicadeza com que certas cenas são conduzidas são uma representação visual daquilo que é sentir amor.




Koe no Katachi é um trabalho cujo resultado poderia ser negativo se estivesse nas mãos erradas. Por se tratar de um conteúdo delicado, qualquer decisão mal pensada de narrativa – na qual a Yamada teve grande participação dessa vez (fonte) – e de direção resultaria em uma representação negativa dos temas tratados. O senso de sensibilidade e sutileza da diretora permitiu que ela entregasse um produto que não superdramatiza assuntos sérios como bullying, depressão e suicídio. O que recebemos foi um filme que conscientiza e emociona, tanto por sua narrativa bem conduzida quanto por seu visual exuberante.


Caramba, eu já escrevi tudo isso e ainda nem falei da participação dela em Hibike! Euphonium, meu trabalho favorito da KyoAni. Mas acho que já me estendi demais aqui. Logo vou escrever uma análise aprofundada sobre, então fica para a próxima. Mas já adianto que esse anime é a verdadeira definição de "espetáculo visual", em que o poder da música é realçado por um trabalho formidável de animação e direção de arrancar lágrimas dos olhos pelo tanto de beleza que você está assistindo.


Até então, eu apenas considerava especiais para mim dois diretores, Hayao Miyazaki e Isao Takahata, pois eram os únicos que fizeram trabalhos que tocaram a minha alma profundamente. Agora a Naoko Yamada se tornou tão especial quanto esses dois, visto que praticamente todas as maravilhas que dirigiu me impactaram positivamente. Mesmo com tudo isso escrito, não tem como expressar exatamente qual a sensação de assistir a um trabalho seu. É algo que apenas pode ser sentido.


-por Vinicius "vini64" Pires

Leia também meus reviews completos dos trabalhos da diretora:
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